Conteúdo organizado por Andressa Rélica Leite Rocha Oliveira Ramos em 2022 do livro Manual de Compliance, publicado em 2021 por CARVALHO, A. C., ALVIM, T. C., BERTOCCELLI, R. D. P., & VENTURINI, O. pela Editora Forense, 2021.
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Instrumentos de Compliance – Canais de Denúncias e medidas disciplinares
Uma empresa com um Programa de compliance bem estruturado preocupa-se em estimular as pessoas a colaborarem com o programa realizando denúncias, no caso de identificarem algum comportamento indesejado, para que, após averiguadas, sejam aplicadas as devidas medidas disciplinares aos infratores e haja a remediação dos riscos.
O acolhimento de denúncias através de canais específicos é uma das maneiras de a empresa ampliar seu controle interno, combatendo os riscos e remediando as condutas indesejadas.
Para implementar canais de denúncias é importante que a empresa considere sua estrutura e avalie qual o melhor modelo a ser adotado para seu perfil. É possível utilizar a estratégia de recebimento de denúncias por urnas, telefone, online ou por e-mail o ideal é que os meios adotados sejam o mais abrangente possível e uma tática não necessariamente seja excludente da outra.
O mais importante é que as pessoas se sintam estimuladas a relatar as condutas indesejadas de que têm conhecimento e isso acontece a partir de canais de denúncias que façam com que elas se sintam seguras e confortáveis, sabendo que não sofrerão retaliações, nem serão identificadas pelos denunciados, daí a importância de garantir o anonimato do denunciante.
Existe também a possibilidade de prever regras de confidencialidade, a fim de resguardar os denunciantes que desejam se identificar, mas não querem ser conhecidos publicamente.
A estratégia de garantir a confidencialidade se mostra bastante eficaz, vez que assegura a possibilidade de a equipe de investigação entrar em contato com o denunciante a fim de esclarecer eventuais dúvidas ou solicitar documentos ou informações adicionais.
Segundo a CGU (2015) “o bom cumprimento pela empresa das regras de anonimato, confidencialidade e proibição de retaliação é um fator essencial para conquistar a confiança daqueles que tenham algo a reportar.”
Um outro ponto a se considerar quando da implementação de canais de denúncia é que estes possam alcançar tanto o público interno quanto o externo de modo que quanto maior o universo de pessoas que tenha acesso a estes mecanismos, maiores são as chances de a empresa identificar irregularidades, possibilitando a remediação com maior brevidade.
Também é essencial ter atenção ao horário que estes canais estarão recebendo denúncias, pois um canal de denúncias por telefone que funcione apenas durante o expediente comercial talvez não seja o mais adequado para acolher reportes dos funcionários, posto que é possível que estejam trabalhando próximo à pessoa que precisa ser denunciada durante o período em que o canal esteja atendendo, o que poderá desmotivar as pessoas a oferecerem suas denúncias.
Também é recomendado que a organização disponibilize meios para que o denunciante acompanhe o andamento da denúncia, pois ao tempo em que gera maior transparência ao processo também contribui para dar maior credibilidade aos procedimentos.
Considerando todas essas variáveis, é preciso que as empresas também estejam atentas ao fato de não receberem nenhuma denúncia por meio de seus canais, pois isso não necessariamente significa que não enfrente problemas, é possível que a maneira como os canais de denúncia são oferecidos não seja adequada ou não permita que os possíveis denunciantes se sintam confortáveis em denunciar.
Além de todo o acima exposto é importante destacar que o Decreto 11.129/2022 também prevê que na avaliação do programa de integridade será considerada a existência e aplicação de “canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e mecanismos destinados ao tratamento das denúncias e à proteção de denunciantes de boa-fé”
Por fim, é necessário destacar que algumas empresas adotam um sistema de premiação ao denunciante de modo que a pessoa que realize a denúncia sobre um ao ilícito receberá prêmios, entretanto esta estratégia recebe críticas, pois questiona-se se não fomenta a fragilização da ideia de uma cultura de compliance em que a denúncia deve ser reportada porque isto é o correto a ser feito e não porque a pessoa será premiada por fazê-lo. Um outro ponto de crítica é que esta estratégia pode criar um ambiente de vigilância extrema no qual o sentimento de pertencimento à organização pode se esvaziar.
Tão importante quanto o acolhimento de denúncias é a maneira como a organização as processa, devendo demonstrar seriedade na forma como as trata e também garantir que sejam apuradas de maneira independente e imparcial, aplicando penalidades quando necessário e adotando as medidas de remediação cabíveis.
Para que um programa de compliance possa ser de fato efetivo, é necessário que ele seja encarado como muito mais que um conjunto de normas prescritas em um documento, portanto a aplicação de medidas disciplinares em decorrência da violação das regras de compliance estabelecidas pelas empresa é importante para garantir a seriedade do programa.
É certo que, por melhor que seja um programa de compliance, nenhuma organização está isenta de sofrer com algum funcionário ou terceiro em seu favor que venha a cometer alguma irregularidade, entretanto mediante a Lei Anticorrupção as empresas necessitam estar em constante vigilância redobrada para prevenir, combater e remediar tais condutas de maneira exemplar, posto que respondem civilmente de forma objetiva pelos eventuais ilícitos apurados.
Se por um lado o Decreto nº 11.129/2022 assegura que a existência de um programa de integridade pode mitigar sanções pecuniárias, por outro é necessário que as empresas também adotem medidas disciplinares, com aplicação de sanções, aos responsáveis pelos ilícitos.
É preciso que a organização disponha de regras escritas que regulamentem as medidas disciplinares, ou seja, documentos normativos que elenquem quais são as penalidades, em quais situações elas serão aplicadas, quais serão os procedimentos formais a serem seguidos e qual setor possui a atribuição de apuração dos fatos e das responsabilidades.
Tais regras devem ser conhecidas por todo o corpo de dirigentes, funcionários, demais colaboradores e eventuais parceiros, pois estes precisam estar cientes e ter clareza dos procedimentos e das possíveis sanções.
Um outro ponto relevante, segundo a CGU (2015), é que as penalidades “devem ser proporcionais ao tipo de violação e ao nível de responsabilidade dos envolvidos''.
No universo de possíveis sanções previstas para os funcionários podemos contemplar a advertência verbal, a advertência escrita, a suspensão e a rescisão do contrato de trabalho. Já, no que diz respeito a terceiros, estes podem sofrer multas ou rompimento do contrato.
Também é importante prever o afastamento de dirigentes e funcionários que possam atrapalhar ou influenciar a adequada apuração da denúncia, como sendo esta uma medida cautelar.
No que diz respeito à aplicação dessas penalidades, a fim de evitar novos riscos para a empresa, é preciso atentar-se igualmente para as regras trabalhistas de modo que estas sanções não venham a ser judicialmente revertidas por se configurarem excessivas, como nos casos em que mais de uma punição venha a ser aplicada concomitantemente.
Por fim, é necessário assegurar que qualquer infrator, independentemente da posição hierárquica que ocupe na empresa, seja dirigente ou funcionário, sofrerá as sanções disciplinares cabíveis, posto que isso é essencial para manter a credibilidade do programa de compliance e o comprometimento dos funcionários.
É dever da empresa demonstrar que as normas são coercitivas e alcançam a todos e que todos estão sujeitos a medidas disciplinares em caso de infração. Sugere-se, nesse sentido, que a adoção dessas medidas seja publicamente divulgada, tanto para funcionários quanto para terceiros, a fim de reforçar diante de todos que a empresa não tolera a prática de ilícitos.
Portanto, nas palavras de CARVALHO et al. (2021) “a aplicação das medidas disciplinares, quando for o caso, é de importância substancial tanto para a perenidade do Programa de Integridade, como para a atenuação de penalidades que a empresa possa vir a sofrer em caso de investigação estatal. Outrossim, tais medidas são mensagens que servem como mecanismos preventivos contra novos ilícitos.”
Sempre que forem identificados indícios de cometimentos de condutas indesejadas e especialmente de ilícitos, a empresa necessita instaurar investigações internas para que as providências necessárias sejam tomadas.
Como mencionado no tópico anterior, é necessário, portanto, que todos os que atuam em nome da empresa, seja interna ou externamente, estejam cientes dos procedimentos que serão seguidos durante as investigações, tais como: condutas consideradas inadequadas/ilícitas, prazos, responsáveis pela apuração das denúncias, identificação da instância ou da autoridade para a qual os resultados das investigações deverão ser reportados, etc.
As infrações podem ser identificadas por diversos meios dentro de um programa de compliance, como por exemplo através de a) denúncias, b) resultados do monitoramento do programa, c) investigações internas, d) constatações em auditorias.
Assim, uma vez confirmada a ocorrência do ilícito, mediante o resultado da investigação, é dever da empresa agir de modo a garantir a imediata interrupção das irregularidades, providenciar soluções e reparar os efeitos causados.
Dentre as formas de remediação para se efetivar tais ações, a organização pode, por exemplo, aperfeiçoar seu programa de compliance, de forma a mitigar a reincidência do fato e a possibilidade de ocorrência de novas falhas, além de aplicar sanções disciplinares aos responsáveis pelas condutas indesejadas como vimos no tópico acima.
Em casos de ilegalidades, é importante que a empresa faça uso dos dados obtidos na investigação interna para subsidiar uma cooperação efetiva com a administração pública, pois ao deixar as autoridades competentes a par da ocorrência do ilícito, oferecendo-lhes informações e esclarecendo-lhes as dúvidas, as organizações podem ser beneficiadas em eventual processo administrativo de responsabilização.
Nesse sentido, segundo a CGU (2015) “é desejável, portanto, que a empresa identifique previamente os órgãos que tenham a competência de investigar e de punir os eventuais ilícitos, de acordo com a esfera e o poder envolvido, e que o Programa de Integridade tenha previsão dos trâmites a serem seguidos para subsidiar a decisão de cooperar com investigações em curso em órgãos governamentais.”
Como visto, as ações de remediação tanto se prestam a auxiliar no aperfeiçoamento dos programas de compliance para mitigar os riscos de forma preventiva como para resguardar a imagem e reputação da empresa ao imputar penalidades exemplares aos responsáveis pelas infrações.
Compliance - Canal de Denúncias
"Compliance - Canal de Denúncias"
Link: <https://youtu.be/lTQRvmXWUD4>. Acesso em: 09 ago. 2022
"Webinar Compliance 2020 08 - Medidas Disciplinares: O que vale para um, vale para todos?"
Link: <https://youtu.be/eBgnAgkifQo>. Acesso em: 09 ago. 2022
Os canais de denúncia são uma ferramenta essencial para identificação e combate de condutas indesejadas e para garantir sua eficácia é necessário que estejam vastamente divulgados, que sejam de amplo alcance e adequados ao público a que se destinam.
Uma vez colhidas e apuradas as denúncias, o processamento destas pode ser útil para o aperfeiçoamento do programa de compliance contribuindo para criar estratégias para prevenção e mitigação de novos riscos. Além disso, uma vez comprovada a ocorrência da infração faz-se imprescindível que seja aplicada a adequada sanção ao responsável pelo cometimento desta, a fim de coibir novas condutas reprováveis e de resguardar a imagem e reputação da empresa. Ademais tal atitude contribui para atenuar as sanções imputadas pelas infrações à lei anticorrupção em caso de investigação estatal.
Referências
Bibliográficas
CARVALHO, A. C., ALVIM, T. C., BERTOCCELLI, R. D. P., & VENTURINI, O. (2021). Manual de compliance. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense.
CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO - CGU. (2015) Programa de integridade – Diretrizes para Empresas Privadas. Brasília, Brasil, 2015.
Mestrado em Direito Internacional - law540 - 3.5
Instrumentos de Compliance – Canais de Denúncias e medidas disciplinares
Imagens: Shutterstock
Livro de Referência:
Manual de compliance
CARVALHO, A. C., ALVIM, T. C., BERTOCCELLI, R. D. P., & VENTURINI, O.
Forense, 2021.